quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O Medo




Meu batismo na vida adulta veio através de fortes dores de estômago. Me lembro de durante a adolescência conversar com uma amiga sobre não saber o que seria azia, por nunca ter sentido nada que pudesse ser chamado como tal. Conhecia a palavra, mas não entendia a sensação a que estava conectada. Descobri pouco tempo depois. Entrei na faculdade, arrumei um estágio e foi aí que o medo se instalou. Eu tinha medo de cometer algum erro. De ser chamada atenção de forma constrangedora. De errar a pronúncia do nome daquele diretor alemão. De não conseguir boas notas. De ser demitida. De bater o carro. De que um dia, ele parasse de ligar. Da morte. O medo que até então nunca havia se manifestado de tal maneira agora era boa parte de mim. Daí eu finalmente descobri o que era azia. Depois gastrite nervosa e depressão. Aí, como eu sou o tipo de gente que gasta um tempo tentando se entender, cheguei à conclusão que o medo é um sentimento muito adulto. Porque você sabe que no final tudo pode sim, dar errado. Porque sua família espera algo de ti. E seu chefe. E seus amigos. E seu par. E a sociedade toda. Quando eu tinha que apresentar algum trabalho eu temia não ter alguma resposta e que de alguma forma as pessoas chegassem a conclusão que eu era uma farsa. Aos 8, meu único medo era o escuro. Aos 28, eles são tantos que não cabe enumerar aqui. Eu sinto medo e não sabia. Tanto quanto eu também sinto ciúme e também não sabia. O lado bom disso é que depois de um tempo o medo deixa de ser paralisante (com raras exceções) para se tornar um sentimento motivador. O frio no estômago me joga pra frente. E sabendo que tem que ser feito, eu faço com medo mesmo. E coragem é isso, afinal. Sair da cama de manhã e fazer algo que existencialmente talvez não tenha um sentido maior. E apesar de todo o medo que sinto, eu também me divirto. E produzo. E vivo.

quarta-feira, 1 de maio de 2013




À beira da piscina.

Não me lembro exatamente como, mas que aconteceu, aconteceu. Parecia ser um dia normal, monótono, até. Sem grandes expectativas, epifanias ou arroubos de ódio ou paixão. Assim estava eu deitada à beira da piscina com um livro nas mãos. Não me lembro qual. Poderia ser tanto um manual de lingüística da língua inglesa quanto um exemplar em capa de couro de alguma peça do Ibsen. Por trás dos óculos escuros eu observei o mundo ao redor. Crianças rindo e jogando água uma nas outras, mães diligentes empurrando carrinhos com recém-nascidos, adolescentes namorando debaixo das árvores, adultos conversando banalidades. Pensei em toda a tristeza e miséria que via nos jornais. Enquanto o mundo no que parecia ser minha redoma de vidro corria tranqüilo. E foi aí que aconteceu. O mal secular que havia se instalado nas minhas vísceras desde muito cedo se dissipou e eu pude ter um pequeno vislumbre do quase sempre intangível lado bom da existência. Fechei o livro e examinei meus pensamentos um pouco mais. Senti minhas dores evaporarem pelos poros. A vida não seria fácil. É preciso ser muito tolo, cretino ou insensível para afirmar tal coisa. O sentido permanecia oculto, contudo, seja pelos livros que ainda leria, as pessoas que conheceria, os lugares, as sensações, as primeiras vezes, as outras mil vezes, tudo seria uma aventura que valeria a pena, mas que presenciar, protagonizar e experimentar aos poucos, um bocado de cada vez. Senti o que só sentia nos momentos de grande excitação, seja a fonte que fosse. Sentia os dedos formigarem. Gostaria de viver 300 anos daquele instante em diante. Sabia que dificilmente passaria dos 100 e dado meus dias de fumante e as bebedeiras ocasionais, os 80 já seriam uma proeza hercúlea. Ainda assim aproveitaria sem culpa, pudor ou cinismo, talvez porque essas coisas já me fossem passadas. Lutaria contra meu espírito, hospedeiro de uma quimera maldita que insistia em jogar sobre meus ombros o peso de uma melancolia devastadora e que sussurrava aos ouvidos que o momento de desistir estava próximo. Meu olhar agora era atraído pela plataforma mais alta da piscina. Sorri ao vê-lo concentrado em sua sunga azul. Nunca achara uma visão interessante homens de sunga. Essa era uma peça para crianças pequenas ou adultos esquisitos. Mas concentrado, de olhos semi cerrados, jogando os calcanhares para cima e para baixo antes do salto, ele era para mim uma visão muito especial. 1,2,3.... Ele girou duas vezes no ar e rompeu com o corpo a superfície da água. Veio nadando até beira e eu enrolei a tolha naquele corpo, já decorado por mim há tempos e o abracei. E foi assim. Sem algum grande feito da minha parte ou virada de mesa do destino que eu me lembrei, graças a lampejos tão plácidos do cotidiano, que a vida até que é bem legal e que o amor que vale a pena, é facinho. 

R. Zampier.