O trem sairia em instantes. Mas
não faria diferença adentrar um dos vagões ou permanecer na plataforma. Tudo
que acreditara reger seu universo havia desaparecido. Não havia mais sentido
algum no que quer que fosse. Sua mente, coração e espírito, acostumados a
funcionar para um mesmo fim agora haviam se divorciado. Não sentia tristeza,
nem dor. O que a desalentava era um vazio miserável, sufocante e constrangedor.
Não sentia mais fome, frio ou desejo pelo que quer que fosse. Era um cadáver
animado devido à inércia. Como seu corpo era acostumado ao movimento, assim
permanecia. Havia perdido a guerra de vez. Venceram a agressividade, a maldade,
a mentira, a feiúra, a covardia, a tristeza. Com isso seu espírito se tornou
árido. Suas lágrimas drenadas junto a qualquer sentimento que anteriormente
carregara consigo onde quer que fosse. O fogo que ardera dentro de si se
extinguiu. Sua parte que buscava o belo, a bondade, pureza e a bravura em todos
os instantes, desapareceu. A graça divina se pôs como o sol ao crepúsculo e não
tornaria a nascer na manhã seguinte. Diante de tudo isso ela não procurou
nenhum meio de fuga, nada que fizesse os músculos de seu rosto se retesarem num
sorriso efêmero, incompleto. O trem se aproximava. Ela sabia onde aqueles trilhos
terminariam. Ainda assim não sentiu medo. O trem parou e uma porta se abriu
diante dela. Fitou mais uma vez o inclemente céu de chumbo acima de sua cabeça
e entrou. Não se despediu, nem lamentou. E partiu.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
Nelly, I am Heathcliff
Ainda não encontrei romance de língua inglesa que eu goste mais que "O Morro dos Ventos Uivantes". Minha mãe tem
um gosto literário apurado e eu cresci ouvindo que deveria ler o romance de
Emily Brontë e a Leste do Éden, de John Steinbeck. Eram desde a adolescência
dois dos livros preferidos dela e há vários anos estão no topo da minha lista de favoritos também.
Mas voltando ao “Morro...” o
trágico romance entre Cathy e Heathcliff mexe muito comigo desde a primeira vez
que decidi lê-lo. Ato que procrastinei por mais de uma década devido ao título,
por imaginar que se trataria de algum romance barato de folhetim. Mas acredite, não há nada de barato nele. Heathcliff é
um outsider, um menino cigano adotado
pelo pai de Cathy com quem desde a infância desenvolve uma dessas relações passionais demais para funcionar direito. O fruto do sentimento entre os dois e o relacionamento
frustrado é um ódio desmedido da parte dele. Heathcliff é o que chamam de herói
byroniano, em referência ao escritor Lord Byron, que se caracteriza como um
personagem que ainda que guiado por bons sentimentos é cínico, arrogante e
provoca a destruição de tudo e todos ao seu redor. Não é o tipo de estória a
qual um compêndio seja capaz de fazer justiça. É um desses livros que TEM que ser lidos.
As citações do livro são famosas,
não só pelas várias versões cinematográficas (dentre as que mais gosto estão a clássica com Sir. Lawrence Olivier e uma feita para TV britânica com o Tom Hardy como protagonista). Essa deve ser a mais forte
de todo o livro: "Pois faço uma prece, hei de repeti-la até que minha
língua endureça; Catherine Earnshaw, que não encontres a paz enquanto eu
estiver vivo! Disseste que te matei, assombra-me então! Os mortos costumam
assombrar os seus assassinos. Acredito, sei que andam almas penadas pela terra.
Fica comigo para sempre, toma a forma que quiseres, enlouquece-me! Mas não me
deixes neste abismo onde não te posso encontrar! Oh, meu Deus! É inexprimível!
Não posso viver sem a minha vida! Não posso viver sem a minha alma!"
A estória de amor do livro não é
algo que ninguém almeje para si. É tão trágica quando bonita, frustrada e disfuncional e para piorar, não tem final feliz. Não busque redenção no morro. Não encontrará lá. No entanto é
uma obra que volta e meia me chama do alto da prateleira do meu quarto e eu leio e releio ao menos algumas páginas
sempre que sinto vontade. Talvez porque entendo Cathy cada vez que penso em
suas palavras a Nelly e me reconheço nelas. Porque "eu sou Heathcliff" também.
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