quarta-feira, 11 de julho de 2012

Quando o amor chega

O amor chegou sem avisar. Destruiu muralhas a muito erguidas, passou pelas frestas da porta e das janelas. Soprou oxigênio novo em minhas narinas e penetrou em minha pele. Me deu pulso e imediatamente corou minha face.Realinhou minha coluna, que até então passara anos retraída, de maneira que eu desviava os olhos do mundo, envergonhada pela minha postura amedrontada e servil. Fez desaparecer minhas olheiras porque se antes eu não dormia, hoje meu sono é leve, sereno. O amor fortaleceu meus ossos, me livrou da cegueira e do cinismo. Me fez trocar Nietzsche por Jung e todo meu blues por bossa e jazz. O amor nada me roubou ou pediu algo em troca. Se diferenciou das paixões violentas e possessivas, movidas pelos hormônios em ebulição e insegurança de outros tempos. Ele trouxe cor aos dias cinzas e fez silêncios antes incômodos se transformarem em instantes de confortável paz. O amor me despiu de cada uma das minhas armas, limpou minhas feridas e pagou minhas dívidas. Quebrou os grilhões que me prendiam e faziam meu fardo pesar sobre o solo. O amor me livrou dos medos, dos vícios e das dores. Me trouxe de volta à tona e eu pude respirar novamente. Me fez repousar em campos verdejantes e sentir seu perfume suave, tão diferente do cheiro de fumaça e enxofre a que eu já me acostumara. O amor me fez descansar a cabeça em seu ombro e me acolheu junto ao peito, ainda que eu inundasse sua camisa com minhas lágrimas e sua atmosfera com minha falta de jeito. Me deu um novo nome, cabelo de anjo e hálito de bebê*. Me fez sentir inteira e renovou todas as coisas ao redor. Transmutou madeira lascada em pátina dourada e brilhante. E eu sorri para ele, dei uma piscadela e lancei um beijo. Caminhei por ruas que deveriam ter os nossos nomes, fui para a casa, me deitei e adormeci. 


*da música Heart Shaped Box, Nirvana.