À beira da piscina.
Não me lembro exatamente como, mas que aconteceu,
aconteceu. Parecia ser um dia normal, monótono, até. Sem grandes expectativas,
epifanias ou arroubos de ódio ou paixão. Assim estava eu deitada à beira da
piscina com um livro nas mãos. Não me lembro qual. Poderia ser tanto um manual
de lingüística da língua inglesa quanto um exemplar em capa de couro de alguma
peça do Ibsen. Por trás dos óculos escuros eu observei o mundo ao redor.
Crianças rindo e jogando água uma nas outras, mães diligentes empurrando
carrinhos com recém-nascidos, adolescentes namorando debaixo das árvores,
adultos conversando banalidades. Pensei em toda a tristeza e miséria que via
nos jornais. Enquanto o mundo no que parecia ser minha redoma de vidro corria
tranqüilo. E foi aí que aconteceu. O mal secular que havia se instalado nas
minhas vísceras desde muito cedo se dissipou e eu pude ter um pequeno vislumbre
do quase sempre intangível lado bom da existência. Fechei o livro e examinei
meus pensamentos um pouco mais. Senti minhas dores evaporarem pelos poros. A
vida não seria fácil. É preciso ser muito tolo, cretino ou insensível para
afirmar tal coisa. O sentido permanecia oculto, contudo, seja pelos livros que
ainda leria, as pessoas que conheceria, os lugares, as sensações, as primeiras
vezes, as outras mil vezes, tudo seria uma aventura que valeria a pena, mas que
presenciar, protagonizar e experimentar aos poucos, um bocado de cada vez.
Senti o que só sentia nos momentos de grande excitação, seja a fonte que fosse.
Sentia os dedos formigarem. Gostaria de viver 300 anos daquele instante em
diante. Sabia que dificilmente passaria dos 100 e dado meus dias de fumante e
as bebedeiras ocasionais, os 80 já seriam uma proeza hercúlea. Ainda assim
aproveitaria sem culpa, pudor ou cinismo, talvez porque essas coisas já me
fossem passadas. Lutaria contra meu espírito, hospedeiro de uma quimera maldita
que insistia em jogar sobre meus ombros o peso de uma melancolia devastadora e
que sussurrava aos ouvidos que o momento de desistir estava próximo. Meu olhar
agora era atraído pela plataforma mais alta da piscina. Sorri ao vê-lo
concentrado em sua sunga azul. Nunca achara uma visão interessante homens de
sunga. Essa era uma peça para crianças pequenas ou adultos esquisitos. Mas concentrado,
de olhos semi cerrados, jogando os calcanhares para cima e para baixo antes do
salto, ele era para mim uma visão muito especial. 1,2,3.... Ele girou duas
vezes no ar e rompeu com o corpo a superfície da água. Veio nadando até beira e
eu enrolei a tolha naquele corpo, já decorado por mim há tempos e o abracei. E
foi assim. Sem algum grande feito da minha parte ou virada de mesa do destino
que eu me lembrei, graças a lampejos tão plácidos do cotidiano, que a vida até
que é bem legal e que o amor que vale a pena, é facinho.
R. Zampier.