segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Virginia Woolf




Não sou a pessoa mais festiva em semana de aniversário e normalmente parece que é necessário que algo sério aconteça para que eu saia da minha redoma de autocomiseração nessa época. Não tem uma explicação clara, mas completar primaveras tradicionalmente faz eu me sentir num grau de depressão que só Virginia Woolf entenderia. Alguns anos atrás eu estava me lamentando no quarto quando de repente tocaram a campainha pra avisar que a cobertura estava pegando fogo. Eu dei um grito, chamei meu padrasto e ele subiu feito um louco pra ver. Na verdade o incêndio vinha do apartamento da frente que teve a área externa bem afetada, mas não chegou ao nosso. Ainda assim os vizinhos se aglomeraram na rua assustados, uns gritando que tinha um cachorro lá em cima e um deles até chegou a fazer menção de derrubar a porta pra ver se ainda tinha alguém em casa, mas os bombeiros chegaram e fizeram o trabalho necessário. Apesar da comoção o prejuízo da proprietária foi apenas financeiro, o que devido ao estrago, representa uma boa notícia. Mas fato é que nesse dia eu sempre acabo pensando que as coisas não estão como gostaria. Minha mãe sempre faz minha torta de frutas preferida, meus parentes e amigos me abraçam e recebo ligações de quem nem sabia que se importava. Me sinto querida num nível que me causa uma certa culpa, não me pergunte porque. Daí eu acabar precisando de um empurrãzinho pra me tirar da inércia quando a data se aproxima e normalmente vem em forma de algum choque. Agora que ele veio eu saí do estado semi vegetativo para o amplamente acordada. Sinto muito Mrs. Dalloway, mas antes de encher meus bolsos de pedras e entrar num rio, eu escolho continuar dando minhas braçadas em mar aberto. 


Rafaela Zampier.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Andarilha






Ela tinha a alma de um andarilho. Todos os dias se levantava e voltava à estrada. Esta era sinônimo de ter os pés firmados no chão. Mantê-los sempre em movimento constante, porque movimento – e isso é algo que ela sabe bem- é vida. Caminhava e não sabia exatamente onde queria chegar. A estrada é que possui algo de poderoso, metafísico, magnético, não o fim do caminho. Gostava de sentir o vento nos cabelos, o sol em sua pele e de não criar raízes. Gostava de se banhar no rio e saber que ainda que retornasse ao mesmo, aquelas águas não seriam as mesmas e tampouco ela seria. Seu senso de liberdade ficou cada vez mais amplo e estava em todo o lugar. Era o oxigênio que consumia. Tinha para ela o devido valor que só tem aquele que já foi cativo. Nenhum dos seus dias eram iguais. Cada um vinha com uma nova paisagem, novas pessoas, novas experiências. Não havia a necessidade de se apegar a nenhuma dessas coisas. Não era que fosse insensível, é que cada coisa acrescentava e se mesclava ao que ela era e assim ela as carregava consigo onde quer que fosse. Nada possuía e a ninguém pertencia. Era uma silhueta evanescente na estrada, tão tangível quanto a melodia de uma canção ou o vapor suspenso do solo quente que distorce a visão como numa miragem. Na estrada ela encontrou vida e ainda nela encontraria a morte. Que o céu leve sua alma um dia, e que à beira da estrada descansem os seus ossos. Na estrada plantou, frutificou e colheu. Nada armazenou e tudo compartilhou. Hoje seu epitáfio de pedra à beira do caminho é cercado de flores do campo nascidas da vegetação rasteira e nele lê-se em latim: “Depois da longa espera, o retorno.” Cada um que por ali passa se lembra dela, não com pesar, mas com leveza, e há quem jure ainda ouvir sua risada na brisa. 

Rafaela Zampier.