sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Andarilha






Ela tinha a alma de um andarilho. Todos os dias se levantava e voltava à estrada. Esta era sinônimo de ter os pés firmados no chão. Mantê-los sempre em movimento constante, porque movimento – e isso é algo que ela sabe bem- é vida. Caminhava e não sabia exatamente onde queria chegar. A estrada é que possui algo de poderoso, metafísico, magnético, não o fim do caminho. Gostava de sentir o vento nos cabelos, o sol em sua pele e de não criar raízes. Gostava de se banhar no rio e saber que ainda que retornasse ao mesmo, aquelas águas não seriam as mesmas e tampouco ela seria. Seu senso de liberdade ficou cada vez mais amplo e estava em todo o lugar. Era o oxigênio que consumia. Tinha para ela o devido valor que só tem aquele que já foi cativo. Nenhum dos seus dias eram iguais. Cada um vinha com uma nova paisagem, novas pessoas, novas experiências. Não havia a necessidade de se apegar a nenhuma dessas coisas. Não era que fosse insensível, é que cada coisa acrescentava e se mesclava ao que ela era e assim ela as carregava consigo onde quer que fosse. Nada possuía e a ninguém pertencia. Era uma silhueta evanescente na estrada, tão tangível quanto a melodia de uma canção ou o vapor suspenso do solo quente que distorce a visão como numa miragem. Na estrada ela encontrou vida e ainda nela encontraria a morte. Que o céu leve sua alma um dia, e que à beira da estrada descansem os seus ossos. Na estrada plantou, frutificou e colheu. Nada armazenou e tudo compartilhou. Hoje seu epitáfio de pedra à beira do caminho é cercado de flores do campo nascidas da vegetação rasteira e nele lê-se em latim: “Depois da longa espera, o retorno.” Cada um que por ali passa se lembra dela, não com pesar, mas com leveza, e há quem jure ainda ouvir sua risada na brisa. 

Rafaela Zampier. 

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