Ela tinha a alma de um andarilho.
Todos os dias se levantava e voltava à estrada. Esta era sinônimo de ter os pés
firmados no chão. Mantê-los sempre em movimento constante, porque movimento – e
isso é algo que ela sabe bem- é vida. Caminhava e não sabia exatamente onde
queria chegar. A estrada é que possui algo de poderoso, metafísico, magnético,
não o fim do caminho. Gostava de sentir o vento nos cabelos, o sol em sua pele
e de não criar raízes. Gostava de se banhar no rio e saber que ainda que
retornasse ao mesmo, aquelas águas não seriam as mesmas e tampouco ela seria.
Seu senso de liberdade ficou cada vez mais amplo e estava em todo o lugar. Era
o oxigênio que consumia. Tinha para ela o devido valor que só tem aquele que já
foi cativo. Nenhum dos seus dias eram iguais. Cada um vinha com uma nova
paisagem, novas pessoas, novas experiências. Não havia a necessidade de se
apegar a nenhuma dessas coisas. Não era que fosse insensível, é que cada coisa acrescentava
e se mesclava ao que ela era e assim ela as carregava consigo onde quer que
fosse. Nada possuía e a ninguém pertencia. Era uma silhueta evanescente na
estrada, tão tangível quanto a melodia de uma canção ou o vapor suspenso do
solo quente que distorce a visão como numa miragem. Na estrada ela encontrou
vida e ainda nela encontraria a morte. Que o céu leve sua alma um dia, e que à
beira da estrada descansem os seus ossos. Na estrada plantou, frutificou e
colheu. Nada armazenou e tudo compartilhou. Hoje seu epitáfio de pedra à beira
do caminho é cercado de flores do campo nascidas da vegetação rasteira e nele
lê-se em latim: “Depois da longa espera, o retorno.” Cada um que por ali passa
se lembra dela, não com pesar, mas com leveza, e há quem jure ainda ouvir sua
risada na brisa.
Rafaela Zampier.
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